sábado, 23 de julho de 2011

Cartão Postal

Abro a minha janela e vejo a grande indústria. 
Branca, fervilhando, expelindo a fumaça que encobre parte da cidade
Vejo a grande caixa d água e imagino como está lá por dentro
Silenciosa, escura, pronta para embalar a morte
As pessoas se enfileiram para entrar, e viverem mais um de seus dias, enquanto do outro lado animais se enfileiram para cumprir a última etapa de sua criação
E eu me sento com um sanduíche de carne, comendo, enquanto imagino...
Posso ver os porcos, morrendo, tendo suas tripas arrancadas, depois sendo moídos e enfiados nas mesmas tripas...
Parece-me o pior dos fins
São porcos
Posso ver as luzes do refeitório
Vejo vultos brancos
Parecem agitados enquanto socam comida garganta abaixo
Não são porcos
Todos têm a mesma cor agora, se portam iguais, são regidos, tem seus lugares escolhidos e sua comida também, parece-me que estão sendo preparadas para o abate
Mas ainda não são porcos
Foram criados e vivem para a indústria
Não sei como chamá-los
Tenho amigos que entram naquela fila
Estão todos gordos e fortes
Riem quando eu falo essas coisas
Outro dia houve uma morte diferente na indústria – contou-me um -
Um dos funcionários matou o outro usando a mesma faca que usava para os animais
“Vivia me chamando de negro filho da puta! Aquele porco!” – disse o que matou
Enfim, de um, nada se aproveitou - pensei
Mas não falei
Estão realmente fortes
Amanhã acordo mais tarde
E sei que quando abrir minha janela, muitos dos que já estiverem voltando de lá vão me olhar com desaprovação – “vagabundo” – dirão baixinho
Sem ao menos saberem do precioso tempo que dediquei a eles
E que pensei neles, e em suas vidas, enquanto fumava um cigarro
Quem mais faria isso?   

Do livro “Brincadeira Extemporânea” – S. L.
BN - Registro 462.194  - Obra não publicada.

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