Estávamos escorados no parapeito e olhávamos a pequena mancha no asfalto.
Preferi dizer-lhe que seu gato himalaio havia se lançado da sacada. E ela preferiu se fazer acreditar, talvez evitando chocar-se ainda mais.
–Vá embora. – foi só o que disse.
Eu saí. Entrei no elevador e apertei o térreo.
Quando chegou, pensei em voltar, tornei a entrar e apertei outra vez o nove.
Mas quando retornou, desisti, e voltei a apertar o térreo.
Saí pela calçada e alguns passos depois avistei o bichano espatifado no acostamento.
– Todos nós saímos perdendo – disse, ante o amontoado de pelos e tripas.
Pobre animal.
Andei por mais algumas quadras e sentei-me ao balcão de um bar. Não estava disposto a beber, então pedi um café.
Logo percebi que em uma das mesas, uma jovem bebia sozinha.
Peguei meu café e me aproximei.
–Posso me sentar?
–Sim. – não hesitou.
Tão logo começamos a conversar percebi que ela tinha pequenos tiques nervosos, que é claro, preferi fazer de conta que não percebia.
–O que você faz?
–Sou professor – menti.
Sei que elas nunca se interessam por um ajudante de cozinheiro.
Descobri que o seu nome era Laura, que havia deixado a casa dos pais para estudar e que morava num apartamento alugado a uma quadra do bar.
Bebi mais dois cafés, enquanto ela insistia num drink azul, que acabei por não saber o nome. “Mais um”, era só o que dizia ao garçom.
Conversávamos sobre como as pessoas estão cada vez mais arredias umas com as outras, cada vez mais com medo uma das outras, sempre acreditando que a pessoa que se aproxima é algum tipo de malfeitor... e essas bobagens todas...
Quando ela levantou-se subitamente.
–Vou ao banheiro.
Observei-a levantar-se já demonstrando sentir o peso dos drinks azuis e enquanto a observava no trajeto até o banheiro, percebi que em sua blusa preta haviam grudados alguns pelos que se destacaram sob a luz.
–Laura... Não posso confundir o nome – sussurrei.
Logo ela voltou e sentou-se, praticamente atirando-se sobre a cadeira.
–Mais um – disse outra vez.
–Gosta de animais? – fui perguntando.
–Adoro! – disse sorrindo.
–Tem algum?
–Tenho um gato siamês.
–Gatos são bons pra se ter em apartamento – prossegui.
–São sim. São ótimos!
–E em que andar você mora? - sondei.
–Moro no primeiro. Sabe como é... Não gosto muito de altura.
–Sei.
Aproveitei enquanto ela bebia outro gole do drink azul e coloquei o dinheiro dos cafés sobre a mesa. Levantei-me e fui saindo.
–Aonde vai?
–Já é tarde. Amanhã começo cedo na cozinha do restaurante.
–Mas não disse que era professor?
–Esquece.
Do livro “Brincadeira Extemporânea” – S. L.
BN - Registro 462.194 - Obra não publicada.